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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, março 13, 2013






Na velocidade da exploraçãoTodos em São Paulo têm pressa, fato. As motos aceleram por entre os carros, que correm para trancar o caminho das motos. As pessoas vivem correndo nas calçadas e até nas escadas rolantes. Ao analisar a notícia a seguir, no entanto, não é adequado ter pressa.
Aconteceu em um domingo, 10 de março. Às 05h30, na Avenida Paulista, dirigindo um Honda Fit (preço de mercado por volta de R$ 50 mil), o estudante de Psicologia Alex Siwek, 22 anos, atingiu, em alta velocidade, o corpo e a bicicleta de um trabalhador. O trabalhador atende pelo nome de David Santos de Souza e tem 21 anos. Enquanto Alex voltava de uma balada, David se dirigia ao trabalho, precário, terceirizado, de limpar janelas de um grande edifício da avenida paulista.
Foi ainda mais trágico e revoltante. A violência do atropelamento decepou o braço direto de David, ficando preso no para-brisas do Honda Fit. Alex não parou para prestar socorro, continuou arrancando até parar nas proximidades da Avenida Ricardo Jafet e atirar o braço amputado de David em um córrego. Após guardar seu precioso carro em casa, Alex entregou-se à polícia.
Trata-se de um crime tão cruel que é difícil pensar em uma punição que traga justiça para a situação. É mais revoltante se considerarmos que o atropelamento culminou uma série de injustiças que David e vários outros trabalhadores sofrem todos os dias.
David foi atropelado em sua bicicleta. Mas David não vai ao trabalho de bicicleta por uma opção sustentável. O preço da passagem de ônibus ou metrô é R$ 3,00. Para ir e voltar são R$ 6,00. Em 26 dias de trabalho são R$ 156,00, dinheiro que faz muita falta pra quem ganha um baixo salário.
David, como milhares de trabalhadores terceirizados, trabalha no domingo e feriados sem receber nenhum adicional por isso. Grande parte dos direitos trabalhistas são atacados todos os dias sob o argumento da terceirização, aumentando a jornada, a estafa e o estresse por conta do trabalho.
A crueldade sofrida por David é desumana, mas não é novidade. Thor Batista, filho do milionário Eike Batista, fez parecido no fim no ano passado. A exploração divide as pessoas entre os que são explorados no trabalho e os que podem pagar para ter um crime abafado (ou se divertir na velocidade de um carro de luxo, ainda que custe a vida de outros). A exploração tira, cada dia mais, o que temos de humano. Ao submeter toda uma classe de humanos a viverem sem praticamente nenhum direito, subjugados no trabalho, no caminho pra casa e no seu próprio bairro, a sociedade cria o caldo de cultura que fazplayboys pensarem que podem matar livremente. É preciso pôr fim a exploração. Bertolt Brecht diria melhor:
“ao invés de serem apenas bons, esforcem-se
para criar um estado de coisas que torne possível a bondade”.
Sandino Patriota, São Paulo
Averdade
*Nina

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