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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, novembro 05, 2013

“Rede Globo, fantástico é o seu racismo!”



Nas últimas semanas escrevi dois textos sobre a relação entre meios de comunicação, publicidade e humor e a prática de racismo, o primeiro provocado por uma peça publicitária de divulgação do vestibular da PUC-PR e o segundo por conta de um programa de humor que ridicularizava as religiões de matriz africana. Hoje, graças a Rede Globo de televisão, retorno ao tema.

Neste domingo 3 de novembro o programa Fantástico, em seu quadro humorístico “O Baú do Baú do Fantástico”,  exibiu um episódio cujo tema é muito caro para a história da população negra no Brasil.

Passado mais da metade do programa, eis que de repente surge a simpática Renata Vasconcellos. Sorriso estonteante ainda embriagado pela repentina promoção: “Vamos voltar no tempo agora, mas voltar muito: 13 de maio de 1888, no dia em que a Princesa Isabel aboliu a escravidão. Adivinha quem tava lá? Ele, o repórter da história, Bruno Mazzeo!”



O quadro, assinado por Bruno Mazzeo, Elisa Palatnik e Rosana Ferrão, faz uma sátira do momento histórico da abolição da escravidão no Brasil. Na “brincadeira” o repórter entrevista Joaquim Nabuco, importante abolicionista, apresentado como líder do movimento “NMS – Negros, mulatos e simpatizantes”!

Princesa Isabel também entrevistada, diz que os ex-escravos serão amparados pelo governo com programas como o “Bolsa Família Afrodescendente”, o “Bolsa Escola – o Senzalão da Educação” e com Palhoças Populares do programa “Minha Palhoça, minha vida”!

“Mas por enquanto a hora é de comemorar! Por isso eles (os ex-escravos) fazem festa e prometem dançar e cantar a noite inteira…” registra o repórter, quando o microfone é tomado por um homem negro que, festejando, passa a gritar: “É carnaval! É carnaval!”

O contexto

Não acredito que qualquer conteúdo seja veiculado por um dos maiores conglomerados de comunicação do mundo apenas por um acaso ou sem alguma intencionalidade para além da nobre missão de “informar” os milhões de telespectadores, ora com seus corpos e cérebros entregues aos prazeres educativos da TV brasileira em suas últimas horas de descanso antes da segunda feira – “dia de branco”.

E me perguntei: Por que – cargas d’água, a Rede Globo exibiria um conteúdo tão politicamente questionável? O que teria a ganhar com isso? Sequer estamos em maio! Que “gancho” ou motivação conjuntural haveria para justificar esse conteúdo?

Bom, estamos em novembro. Este é o mês reconhecido oficialmente como de celebração da Consciência Negra. É o mês em que a população  a f r o d e s c e n d e n t e  rememora, no dia 20, Zumbi dos Palmares, líder do mais famoso quilombo e personagem que figura no Livro de Aço como um dos Heróis Nacionais, no Panteão da Pátria. Relevante não?

Estamos também na véspera da III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que começa nesta terça, dia 5 e segue até dia 7 de Novembro, em Brasília, momento ímpar de reflexão e debates sobre os rumos das ações governamentais relacionadas a busca de uma igualdade entre brancos e negros que jamais existiu no Brasil. Isso somado à conjuntura de denúncia de violência e assassinatos que tem como principais vítimas os jovens negros, essa Conferência se torna ainda mais importante.

Voltando ao Fantástico, evidente que há quem leia as cenas apenas como um mero quadro humorístico e como exagero de “nossa” parte. Mas daí surge novas perguntas:

Um regime de escravidão que durou 388 anos; Que custou o sequestro e o assassinato de aproximadamente 7 milhões de seres humanos africanos e outros tantos milhões de seus descendentes; e que fora amplamente denunciado como um dos maiores crimes de lesa-humanidade já vistos, deve/pode ser motivo de piadas?

Quantas cenas de “humor inteligente” relacionado ao holocausto; Ou às vítimas de Hiroshima e Nagasaki; Ou às vítimas do Word Trade Center ou – para ficar no Brasil – às vítimas do incêndio na Boate Kiss, assistiremos em nossas noites de domingo?

Ah, mas ex-escravizados festejando em carnaval a “liberdade” concebida pela áurea princesa boazinha, isso pode! E ainda com status de humor crítico e inteligente.

Minha professora Conceição Oliveira diria: “Racismo meu filho. Racismo!”.

A democratização dos meios de comunicação como forma de combate ao racismo

Uma das tarefas fundamentais dos meios de comunicação dirigidos pelas oligarquias e elites brasileiras tem sido a propagação direta e indireta – muitas vezes subliminar, do racismo. É preciso perceber o que está por trás da permanente degradação da imagem da população negra nesses espaços. Há um pensamento racista que é, ao mesmo tempo, reformulado, naturalizado e divulgado para a coletividade.

A arte em forma de publicidade, teledramaturgia, cinema e programas humorísticos são poderosos instrumentos de formação da mentalidade. O que vemos no Brasil, infelizmente, é esse poder a serviço do fomento a valores racistas e preconceituosos que, por sua vez, gera muita violência. A democratização dos meios de comunicação é fundamental para combater essa realidade. No mais, deixo duas perguntas ao governo federal e ao congresso nacional, dos quais devemos cobrar:

O uso de concessão pública para fins de depreciação, desvalorização da população negra e da prática do racismo, machismo, sexismo, homofobia e todos os tipos de discriminação e violência não são suficientes para colocar em risco a concessão destes veículos?

Por que Venezuela, Bolívia e Argentina, vizinhos latino-americanos, avançam no sentido de diminuir a concentração de poder de certos grupos de comunicação e no Brasil os privilégios para este setor só aumentam?

Tantas perguntas…

Douglas Belchior
No Negro Belchior

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