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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, junho 01, 2011

BEM-VINDOS AO ANTROPOCENO:É O CAPITALISMO, ESTÚPIDO !

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Os humanos mudaram a forma como o mundo funciona. Agora também precisam mudar a forma como pensam sobre isso, diz editorial da revista The Economist sobre as profundas e perigosas mudanças que o homem vem provocando no planeta. O curioso no texto é que ele não menciona única vez o termo 'capitalismo' ao longo das 1.105 palavras do ensaio sobre a transformação do planeta sob a influência humana. Mas implicitamente denuncia o modo de produção do qual é porta-voz.

The Economist.



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Em editorial publicado na sua última edição, a prestigiosa revista liberal britânica The Economist adverte sobre as profundas mudanças que o homem vem provocando no meio ambiente nas últimas décadas. A taxa de extinção hoje, adverte o texto, é bem mais rápida que durante períodos geológicos normais. Estamos vivendo uma era de maior instabilidade. O curioso no texto é que ele não menciona única vez o termo 'capitalismo' ao longo das 1.105 palavras do ensaio sobre a transformação do planeta sob a influência humana.

 

No entanto, toca em vários pontos assustadores intrínsecos à dinâmica do dito sistema. De modo que, implicitamente, mesmo sem querer, comete uma estrondosa denúncia do modo de produção do qual é porta-voz. Um título alternativo para o referido editorial poderia ser: "É o capitalismo, estúpido!"
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Publicamos a seguir a íntegra do editorial, publicado originalmente em português no Vi o Mundo:

 
Bem-vindos ao Antropoceno
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A Terra é uma coisa grande: se fosse dividida de forma equânime por todos os 7 bilhões de habitantes, cada um ficaria com quase um trilhão de toneladas. Pensar que o funcionamento de um ente tão vasto poderia ser mudado de forma duradoura por uma espécie que tem corrido pela superfície dele por menos de 1% de 1% de sua história parece, considerando apenas isso, absurdo. Mas não é. Os humanos se tornaram uma força da natureza que muda o planeta em escala geológica — mas numa velocidade mais rápida que a geológica.
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Só um projeto de engenharia, a mina de Syncrude nas areias betuminosas de Athabasca, envolve o movimento de 30 bilhões de toneladas de terra — duas vezes mais que a quantidade de sedimento que flui em todos os rios no mundo em um ano. 
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Aquele fluxo de sedimento, enquanto isso, está encolhendo: quase 50 mil grandes represas no último meio século reduziram o fluxo [de sedimento nos rios] em quase um quinto. 
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É uma das razões pelas quais os deltas da Terra, onde vivem centenas de milhões de pessoas, estão erodindo num ritmo que impede que sejam reabastecidos.
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Os geólogos se importam com sedimentos, martelando neles para descobrir o que têm a dizer sobre o passado — especialmente sobre as grandes porções de tempo que a Terra atravessa de um período geológico a outro. 
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Com o mesmo espírito os geólogos olham para a distribuição de fósseis, para traços das geleiras, para o nível dos oceanos. 
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Agora, um número destes cientistas argumenta que futuros geólogos, observando este momento do progresso da Terra, vão concluir que algo muito estranho está acontecendo.
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O ciclo do carbono (e o debate sobre o aquecimento global) é parte da mudança. Assim também é o ciclo do nitrogênio, que converte nitrogênio puro da atmosfera em químicos úteis, e que os humanos ajudaram a acelerar em mais de 150%. Eles e outros processos antes naturais foram interrompidos, remodelados e, principalmente, acelerados. 
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Os cientistas estão crescentemente usando um novo nome para este período. Em vez de nos colocar ainda no Holoceno, uma era particularmente estável que começou há cerca de 10 mil anos, os geólogos dizem que já estamos vivendo no Antropoceno: a idade do homem.

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The new geology leaves all in doubt

O que os geólogos escolhem chamar de um período histórico normalmente importa pouco para o resto da humanidade; disputas na Comissão Internacional de Estratigrafia sobre os limites do Período Ordoviciano normalmente não capturam as manchetes. 
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O Antropoceno é diferente. É um daqueles momentos em que cai a ficha científica, como quando Copérnico entendeu que a Terra girava em torno do sol, momentos que podem mudar fundamentalmente a visão das pessoas sobre coisas muito além da ciência. 
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Significa muito mais que reescrever alguns livros didáticos. Significa repensar a relação entre as pessoas e seu mundo — e agir de acordo com o resultado.

 
A parte de “repensar” é a mais fácil. Muitos cientistas naturais abraçam a confortável crença de que a natureza pode ser pensada, na verdade deveria ser pensada, separadamente do mundo humano, com as pessoas como meras observadoras. Muitos ambientalistas — especialmente aqueles da tradição norte-americana inspirada em Henry David Thoreau — acreditam que “o mundo selvagem é a preservação do mundo”. Mas as regiões isoladas, para o bem e para o mal, estão se tornando crescentemente irrelevantes.
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Quase 90% da atividade vegetal do mundo, por algumas estimativas, é encontrada em ecossistemas onde o homem tem um papel significativo. Embora a agricultura tenha mudado o mundo por milênios, o evento Antropoceno dos combustíveis fósseis, da engenharia agrícola e, principalmente, dos fertilizantes artificiais à base de nitrogênio, incrementaram vastamente o poder da agricultura. A relevância das regiões preservadas para nosso mundo encolheu em face deste avanço. A quantidade de biomassa que agora anda sobre o planeta em forma de humanos ou animais de criação pesa muito mais que todos os outros grandes animais juntos.
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Os ecossistemas do mundo são crescentemente dominados por um grupo limitado e homogêneo de culturas, animais de criação e criaturas cosmopolitas que se dão bem em ambientes dominados por humanos. Criaturas menos úteis ou adaptáveis se dão mal: a taxa de extinção hoje é bem mais rápida que durante períodos geológicos normais.


Recycling the planet

O quanto as pessoas deveriam se amedrontar com isso? Seria estranho se não se preocupassem. A história do planeta contém muitas eras menos estáveis e clementes que o Holoceno. Quem pode garantir que a ação humana não pode empurrar o planeta para nova instabilidade?
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Alguns vão querer simplesmente voltar o relógio. Mas retornar às coisas como eram não é realista, nem moralmente alcançável. Um planeta que em breve pode sustentar 10 bilhões de seres humanos precisa trabalhar de forma diferente de que quando sustentava 1 bilhão de pessoas, a maioria camponeses, 200 anos atrás. O desafio do Antropoceno é usar a engenhosidade humana para ajeitar as coisas para que o planeta possa cumprir sua tarefa do século 21.
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Aumentar a resiliência do planeta vai provavelmente envolver algumas mudanças dramáticas e muitos pequenos ajustes. Um exemplo do primeiro pode vir da geoengenharia. Hoje o abundante dióxido de carbono emitido na atmosfera fica para a natureza recolher, o que ela não pode fazer suficientemente rápido. Embora as tecnologias ainda sejam nascentes, a ideia de que os humanos possam remover o carbono dos céus da mesma forma que ele é colocado lá é uma razoável expectativa do Antropoceno; não evitaria o aquecimento global a curto prazo, mas poderia reduzir seu impacto, com isso reduzindo as mudanças na química dos oceanos causadas pelo excesso de carbono.
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Mais frequentemente a resposta estará nos pequenos ajustes — em encontrar formas de aplicar o músculo humano em favor da natureza, em vez de contra ela, ajudando assim a tendência natural de reciclar as coisas. A interferência humana no ciclo do nitrogênio tornou o nitrogênio muito mais disponível para plantas e animais; fez muito menos para ajudar o planeta a lidar com todo aquele nitrogênio quando as plantas e animais se satisfazem. Assim, sofremos cada vez mais com as “zonas mortas” costeiras, invadidas pelo brotar de algas alimentadas por nitrogênio. Pequenas coisas, como uma agricultura mais inteligente e melhor tratamento de esgoto, poderiam ajudar muito.

 
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Para os homens, ter um envolvimento íntimo com vários processos interconectados numa escala planetária envolve muitos riscos. Mas é possível acrescentar à resiliência do planeta, em geral com medidas simples e graduais, se elas forem bem pensadas. E uma das mensagens do Antropoceno é que as ações graduais que nos trouxeram até aqui podem rapidamente se somar para provocar mudanças globais.

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Ilustração: MVIVA
Tradução: Vi o Mundo
FONTE: Carta Maior

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