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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, março 14, 2013

A igreja que deixou mães ao relento


por Clóvis Rossi


O papa e o pecado da omissão

Jorge Mario Bergoglio leva ao Vaticano um pecado imperdoável: foi no mínimo omisso durante o genocídio que a ditadura militar argentina praticou entre 1976 e 1983.

Nem é possível alegar que não era, então, uma figura destacada na hierarquia eclesiástica: foi provincial dos jesuítas entre 1973 e 1979. A parte mais selvagem da repressão se deu precisamente entre o golpe de 1976 e 1978, quando, a rigor, a esquerda armada já havia sido esmagada, junto com milhares de civis desarmados.

Há na Argentina quem acuse Bergoglio de ter sido pior do que omisso: o jornalista Horácio Verbitsky, autor de um punhado de livros sobre a ditadura, acusa o agora papa de ter sido cúmplice da repressão ao denunciar aos militares, como subversivos, sacerdotes que desempenhavam forte ação social.

Verbitsky diz possuir documentos obtidos na Chancelaria argentina que demonstram a veracidade de sua acusação.

Antes do conclave anterior (2005), um advogado da área de direitos humanos chegou a propor uma ação contra Bergoglio, acusando-o de ter sido cúmplice no sequestro de dois padres jesuítas em 1976.

Bergoglio sempre negou as acusações. Disse que, ao contrário, tentou proteger os jesuítas perseguidos.

O que não dá para negar é que Bergoglio passou em silêncio por um período negro da história argentina, em que o comportamento de sua igreja foi obsceno.

Não é, portanto, um cartão de visitas auspicioso para um papa condenado a enfrentar uma evidente crise de credibilidade, se não da igreja, pelo menos de sua cúpula.

A igreja argentina também perdeu credibilidade por sua pusilanimidade, para dizer o mínimo, durante a ditadura militar. Como correspondente da Folha em Buenos Aires de 1980 a 1983, fui testemunha ocular das intoleráveis omissões da hierarquia ante a violência do Estado.

Conto apenas um episódio menor para mostrar a covardia.

Um dado dia, as Madres de Plaza de Mayo pediram uma audiência aos bispos. Um grupo delas, todas senhoras de idade, rostos vincados pelo tempo e pela dor, foi até a sede da Conferência Episcopal Argentina para entregar uma petição, obviamente relacionada à violação dos direitos humanos.

Chovia, fazia frio, o vento era cortante. Pois os responsáveis pela igreja argentina não tiveram nem sequer a piedade de permitir que as senhoras esperassem no interior do imóvel. Ficaram mesmo ao relento, como a sociedade argentina ficou desprotegida pelos seus pastores durante toda a ditadura.

É dessa igreja que vem Bergoglio. Uma igreja que jamais pediu perdão por esse insuportável comportamento.

É possível que, tendo a Argentina da democracia passado a limpo o período do terror, a questão dos direitos humanos no passado seja deixada de lado ou vá para um pé de página no perfil do novo papa.

Entendo. Os homens passam a ser santos, ou quando morrem ou quando assumem o papado.

A ver se o papa Francisco corrigirá no Vaticano o pecado de omissão de Bergoglio.


A "operação conclave" de Bergoglio



publicado na Revista do IHU em 12 de abril de 2010


Quando a publicação mais importante da Alemanha, a revista Der Spiegel, se refere ao "papado falido" do seu compatriota Joseph Ratzinger (o mesmo termo que a Inteligência norte-americana aplica aos Estados com vazio de poder nos quais justifica sua intervenção), o primaz da Argentina e arcebispo de Buenos Aires, cardeal Jorge Bergoglio , empreende uma operação de lavagem de sua imagem com a publicação de um livro autobiográfico. 
+*Tecedora

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