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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, novembro 01, 2013

 AS BRUXAS RE-EXISTEM? COMO MANTER OU DEMOLIR UM PRECONCEITO.



Imagem publicada – uma reprodução de uma pintura onde uma mulher nua, presa pelas pernas, de cabeça para baixo, nua, amarrada e com um peso pendente desse instrumento de tortura, tem ao seu lado uma figura de um monge, um inquisidor, que lhe aplica os seus instrumentos para arrancar desse corpo feminino as justificativas que lhe permitirão apresenta-la ao Tribunal, uma corte de representantes da Igreja, com as provas cabais de sua heresia e bruxaria. Um dos meios mais comuns no século XV, na Idade Média, da Inquisição obter as confissões das mulheres que iriam para sua punição redentora: as fogueiras. (imagem capturada em site sobre bruxas na Internet)

Não gosto de filmes com fogueiras crepitantes para os corpos femininos. Entretanto parece que mesmo com as sutis maquiagens ainda hoje os jogamos no fogo. Hoje tivemos de comprar uma nova fantasia para minha filha. É o HALLOWEEN. É o dia delas, aquelas que não ouso dizer o nome, pois sei que elas re-existem em nós todos, e mais ainda como fêmeas.

Isso mesmo é dessa palavra que deriva a melhor e mais profunda expressão do gênero Feminino. São estas que em 1233 o Papa Gregório IX, como parte do processo de perseguição às feiticeiras e bruxas, admitiu a existência do sabbat e esbat.  Espero que procurem os significados no Google e verão que não tem nada de satânico, diabólico ou de ‘missas negras’, que pelos adjetivos já demonstram os preconceitos aí enraizados há séculos.

Tenho, portanto, no meu desejo de luta contra os preconceitos, já iniciado em texto anterior, que reapresentar um pouco de história e dados para que possam também desejar a quebra dos paradigmas que ainda cerceiam, ‘castram’ e ‘perseguem’ o corpo e a vida das mulheres.

Em 1326, quase 01 século depois, o Papa João XXII, autorizou a perseguição às bruxas sob o disfarce de heresia. Iniciava-se a “caça às bruxas”, uma perseguição biopolítica e social. O filme O Nome da Rosa, baseado no romance homônimo de Umberto Eco, nos serve de uma breve alegoria do que atormentava a Igreja católica nesses tempos do ‘martelo nas bruxas’ (Malleus Maleficarum). Assistam e verão que a ‘verdadeira’ bruxa se escondia é na Biblioteca do mosteiro ou dos claustros.

Um dos grandes encontros da Igreja nesse período, o Concílio de Basileia (1431-1449) fazia um apelo contra os ‘males’ desviantes ou instituintes que pareciam, ou que eram, como hoje, usados para infundir o temor de que a grande instituição religiosa  tivesse o seu ‘fim’. Já disse outro dia e repito: as instituições seculares não desaparecerão, apenas podem é mudar de nome e do tipo de adeptos ou convictos. Ou então mudar de clientela.

Transformaram confissões em “convicções”. Estas transformadas em dogmas religiosos. A partir daí é que milhares, aproximadamente 200.000 (duzentas mil) mulheres foram queimadas, após longo e doloroso processo de tortura. Para tal exercício de poder forjaram-se manuais e tratados sobre a bruxaria, encantamentos e feitiços, assim como são hoje as propagandas midiatizadas de alguns pastores.

Hora de produzir novos instrumentos de tortura e ‘classificação’. Nascem os ‘documentos’ e normas que autorizavam esse massacre. Inventam-se os fundamentos da Inquisição. E, por temor ou fervor, legitimaram os sadismos dos inquisidores, como Torquemada.

Entretanto, a eficácia da construção e manutenção de um preconceito que justifique um extermínio não se dá apenas nos macro poderes instituídos. É preciso para sua durabilidade, e não apenas sua duração temporal, que muitas massas sejam envolvidas nesse processo de ‘condenação’ e justiciamentos. Precisamos dos desejos e cristalizações de massa para condenar, dividir, separar e, biopoliticamente, controlar o que denominarmos de um Outro ameaçador, transgressor ou desviante, no caso em questão, institui-se a demonização das mulheres.

Essa ameaça do devir-mulher perdura. Hoje milhares de meninas estão vestidas de ‘bruxinhas’. Vestir-se fantasiosamente, como passado, no presente é um excelente e lucrativo negócio há muito tempo. Vestir-se temporariamente de alguma coisa que já foi tão perseguida, proibida, violentada e explorada, como o corpo feminino dito luxurioso e pecaminoso, reedita uma carnavalização da vida e uma permissão ‘temporária’ para, nos tempos modernos e pós-modernos, se “brincar de bruxa”’, contanto que essas fantasias desapareçam até o dia dos Mortos.

Já escrevi sobre como ‘queimar’ as diferenças femininas na atualidade. Uma das formas sutis de manter esse preconceito e sua permanência é manter a “bruxalização” (um termo e ação que inventei) do feminino e das mulheres. Podemos também atualizar as ações de “histeria” coletiva que ocorreram, por exemplo, na Aquitânia (1453). Mulheres e a transmissão de doenças foram uma das ‘heresias’ que estes corpos perigosos e antros do pecado receberam como acusação para sua exclusão e castigo público.

Lá uma epidemia provocou muitas mortes que foram imputadas às mulheres da região, de preferência as muito magras e feias (hoje, além das já citadas, seriam as muito gordas ou muito pobres?). Presas, submetidas a interrogatórios e torturadas, algumas acabavam por confessar seus crimes contra as crianças (futuros crentes e população), assim como aos homens (aos quais contaminavam), e condenadas à fogueira pelo conselheiro municipal. As que não confessavam eram, muitas vezes, linchadas e queimadas pela multidão, irritada com a falta de condenação.

Por estamos novamente em tempos de multidões é que relembro estes dados de massas que se alimentavam, nas suas misérias humanas, de espetáculos de violências, inclusive sexuais, e de naturalização das mesmas. Ontem difundi um Relatório da ONU: "Maternidade na Infância: Enfrentando o Desafio da Gravidez Adolescente”. Nele encontramos um número: “todos os anos 7,3 milhões de meninas e jovens menores de 18 anos têm filho nos países em desenvolvimento”. E o que isso tem a ver com as bruxas e as Inquisições?

É que o mesmo preconceito que alimentava cárceres, torturas e fogueiras ainda é o que se utilizam, lamentavelmente, para a justificação de exploração, hiper erotização, vulgarização e banalização do corpo de meninas e jovens mulheres: são passíveis de serem apenas Vidas Nuas. Ou seja, passam para o campo das coisas, dos objetos ou das vidas matáveis.

O motivo de tantas meninas e jovens já na maternidade é, segundo a ONU, uma questão a ser enfrentada urgentemente é que pelo menos 02 milhões delas têm menos de 14 anos. A essa precocidade da maternidade, assim como as suas consequências sócio-culturais e econômicas, se conjugam as causas das mesmas: violências sexuais, pobreza e, em alguns países, a tradição ou obrigação de casamentos infantis, geralmente por razões religiosas, forçados pelas famílias.

Meninas que são proibidas de serem apenas meninas. Malala Yousafzai e Talebãs não são privilégios do longínquo Afeganistão, tão invadido, tão devastado como foi mostrado no filme A Caminho de Kandahar. As burkas mais invisíveis são as mais violentas. A negação do corpo feminino não se dá pelas camadas de tecidos que o escondem ou protegem. A negação se dá pela permanência transhistórica de seu “lugar” diminuído atrelado à suas diferenças, como tradições, privações, discriminações e, a se perenizarem bruxas, aos preconceitos que permitem sua vulneração.

Herdeiras de Lilith, obrigadas por séculos a caminhar alguns passos atrás da opressão masculina ou machista, são ainda os corpos que mais vendem, mais atraem e mais sofrem. Muitas vezes mais trabalham e menos ganham. Ontem me indaguei outro por quê? Porque no ‘Bolsa Família’, para além de suas questões mais visíveis, são as mulheres que tem a maioria dos cartões, 93%, e destas 63% são negras?

Será que estas também não são, além do arrimo de suas famílias, muitas das que começaram a ter filhos aos 13, 14, 15 anos, com as suas “carreiras” do lugar único de mães? O quanto e quando puderam viver outras fantasias que não as de ter um fogão e uma geladeira? Enfim, não quero ficar buscando estas perguntas-respostas já que também elas se tornam as que mais necessitam da Lei Maria da Penha.

Afinal não são apenas mulheres? Não, são apenas “bruxas” remodeladas e sem os tradicionais defeitos físicos, monstruosidades ou aberrações; se tornam, sim, milhares de Marias cujas penas a cumprir, em suposta liberdade, são serem capturadas por novas crenças, novos fundamentalistas, novos tabus, novas interdições e promessas de salvamento e vida eterna. E novas burkas lhes são aplicadas sutilmente, religiosa e evangelicamente.

Por isso espero que as meninas, como a minha, possam se educar e serem educadas em busca de outro modo de liberdade de uso dos seus corpos e vidas. Por isso desejo que, indo além do brincar de bruxa, possam aprender a se descolar desse secular e instituído pecado original.  Será que podem aprender a aprender como resistir?

Sim elas re-existem, as bruxas e as feiticeiras, mas já serão mais as donas das ‘perseguidas’, um nome popular para o seu sexo, primeiro lugar, para os inquisidores, da busca da maldição e da luxúria. A grande entrada de onde a vida brota, mas que tinha e tem o direito fundamental de escolha refinada do que lá pode ser colocado como vida, não como tortura ou violação.

 E, após entenderem como se criou o mito das vassouras voadoras, dos unguentos mágicos que alucinavam os homens, outras mulheres, outros sexos, ao serem submetidas aos estupros e outras violências sexuais, possam romper com esta simbologia fálica. Rompendo também as duras correntes que ainda estão invisivelmente aprisionando e mutilando suas posições desejantes, os ‘objetos muito claros’ e caros das atuais perseguições.

Quem sabe, então, na produção de suas subjetividades, não terão como único objeto de desejo obscuro se manter presas ao paradigma de que seu lugar é perto do fogo, do lado ou em frente ao fogão, entretanto complemente apagadas, nunca mais ardentes. Nunca mais erótica e livremente bruxas. Bruxas livres das bruxas já queimadas vivas.

Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2013/2014 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa)

LEITURA CRÍTICA INDICADA –
Biblioteca: Malleus Maleficarum — O Martelo das Bruxas (em português) http://mosaicum.org/2010/10/04/biblioteca-malleus-maleficarum-o-martelo-das-bruxas-em-portugues/

O Martelo das Bruxas ou O Martelo das Feiticeiras é uma espécie de manual de diagnóstico para bruxas, publicado em 1487, dividindo-se em três partes: a primeira ensinava os juízes a reconhecerem as bruxas em seus múltiplos disfarces e atitudes; a segunda expunha todos os tipos de malefícios, classificando-os e explicando-os; e a terceira regrava as formalidades para agir “legalmente” contra as bruxas, demonstrando como inquiri-las e condená-las.

Filmes Indicados:
A CAMINHO DE KANDAHAR - Mohsen Makhmalbaf

O NOME DA ROSA - livro e filme (1986) - Jean Jacques Annaud - http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Nome_da_Rosa  http://www.adorocinema.com/filmes/nome-da-rosa/

Sobre citações na INTERNET
Malala Yousafzai: uma menina que queria apenas estudar http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=5511&id_coluna=20


Mulheres e o Bolsa Família: uma revolução feminista em processo http://blogueirasfeministas.com/2013/09/mulheres-e-o-bolsa-familia-uma-revolucao-feminista-em-processo/

LEIAM TAMBÉM NO BLOG –

O MARTELO NAS BRUXAS – COMO QUEIMAR, HOJE, AS DIFERENÇAS FEMININAS? http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/11/o-martelo-nas-bruxas-como-queimar-hoje.html

MULHERES, SANGUE E VIDA, para além de sua exclusão histórica http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/03/mulheres-sangue-e-vida-para-alem-de-sua.html



EUGENIA – Como realizar a castração e esterilização de mulheres e homens com deficiência? http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/01/eugenia-como-realizar-castracao-e.html
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*http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/11/as-bruxas-re-existem-como-manter-ou.html

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