Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, setembro 18, 2013

Bob Fernandes - O ministro Celso de Mello deu uma aula ao desempatar a votação sobre a questão dos embargos infringentes. Aula para quem acompanha o julgamento com sede de justiça e é leigo. Mas, também, aula para seus pares. Para dentro e para fora do Tribunal, Celso de Mello lembrou que Justiça se faz com o uso da razão, e não com o fígado. Com a bílis. Não se faz Justiça com ódio, ressentimento e frustração. Mesmo que de origem legítima, como se dá no caso da larga impunidade. A aula foi para bem além do Tribunal, do Direito, e da disputa política. Uma aula para uma sociedade que cobra punição, com razões para tanto, mas que se recusa a reconhecer responsabilidades que são também coletivas. O ministro falou com a autoridade de quem tem sido implacável na aplicação de penas no julgamento da Ação 470, o chamado "mensalão". E de quem, podem anotar, continuará sendo implacável na sequência do julgamento. Sem citar a história já vivida pelo mundo, inclusive na maior das guerras do século XX, o ministro advertiu: um tribunal, mesmo sendo uma representação, uma delegação da sociedade, não pode se deixar contaminar pela opinião pública. Muito menos ainda pela opinião publicada. Até porque depois desse julgamento virão outros. Julgamentos que envolverão políticos e partidos. Alguns dos que hoje acusam, amanhã serão réus. E então, só então, defenderão racionalidade na aplicação da justiça. No ambiente poluído e amesquinhado da política brasileira, qualquer ação ou opinião que contrarie um lado das arquibancadas provoca fúria. Instiga o ódio e o ressentimento do outro lado. Política é paixão. Mas Política com grandeza se faz com ideias. Se faz na troca, na capilaridade com a sociedade, e não ouvindo e instigando o que há de pior na sociedade. Nas últimas eleições, em grande parte do tempo o Brasil deixou de debater seu futuro. Perdeu-se tempo açulando os piores instintos na busca de votos. De maneira geral, ideias cederam espaço a discursos medievais, carregados de rancor e recalque. E isso se espalha. As redes sociais, a internet, por exemplo, são democráticas na essência. Acolhem, ao menos, os que podem ter acesso. Captam de maneira ampla os sentimentos, entre eles a irritação com a impunidade. Mas isso não significa que deve prevalecer o que há de pior: a frustração pessoal, o ressentimento como indivíduo transformado em discurso e ação política. Discurso moralizador que não resiste ao espelho. E muito menos à história de partidos e indivíduos. Por isso, histórico o voto de Celso de Mello. O ministro julgou e seguirá julgando os réus da maneira mais dura que permitir a lei. A lei. Não o ódio, o rancor. Justiça se faz com lei. De psicose quem trata é a psiquiatria, a psicanálise.

Nenhum comentário:

Postar um comentário