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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, setembro 18, 2013

Quem tem medo da verdade? Luiza Erundina

Luiza Erundina

Quem tem medo da verdade?

 Luiza Erundina - Deputada federal


Indiferente aos reiterados apelos dos familiares e vítimas do regime militar e de amplos segmentos da sociedade, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 7.376/2010, na noite de 21 de setembro, em sessão extraordinária e regime de urgência urgentíssima, com o comparecimento, caso raro, de quase todos os parlamentares, além das presenças dos ministros da Justiça, Defesa e Direitos Humanos, lobby poderoso do Executivo que orientou a votação do projeto e exigiu sua aprovação sem qualquer alteração.
No entanto, aceitaram emendas do DEM, PSDB e PPS e rejeitaram todas as emendas propostas por três deputados que representavam os que exigem verdade e justiça e repudiam a meia-verdade defendida pelos que hoje controlam o poder no país.
Na quarta-feira, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara, também cumprindo ordens expressas do Planalto, rejeitou o PL/573/2011, de minha autoria, que dá interpretação autêntica ao disposto pela Lei da Anistia - pela qual ninguém pode ser punido pelos crimes políticos ocorridos na ditadura militar.
Relatado pelo deputado Hugo Napoleão (DEM/PI), o projeto recebeu parecer contrário e foi rejeitado em votação simbólica, apesar de requerimento de votação nominal do deputado Ivan Valente (PSOL/SP). Resta-nos aguardar sua votação na Comissão de Constituição e Justiça e da Cidadania onde, certamente, funcionará o rolo compressor do governo para que também seja rejeitado.
Caso o Senado mantenha o projeto como foi aprovado na Câmara; e se a Lei da Anistia continuar beneficiando os que torturaram, mataram e sumiram com pessoas que lutaram contra o regime, resta-nos a indignação e protestar nas ruas contra a farsa de uma Comissão que, além de não revelar a verdade sobre os crimes da ditadura, manterá impunes os responsáveis por eles.
Não vale o argumento de que a proposta aprovada é o possível na correlação de forças atual. Mas como, se o povo brasileiro derrotou a ditadura há mais de trinta anos; se temos uma presidente da República eleita democraticamente e que, como tantos outros, pagou com prisão, tortura e desrespeito aos seus direitos humanos a ousadia e a coragem de lutar em defesa da democracia e pela restauração do Estado Democrático de Direito?
Se reduzirmos nossas pretensões em relação a direitos à alegada correlação de forças, estaremos renunciando a esses mesmos direitos e deixando de acreditar na nossa capacidade de alterar a correlação de forças e, portanto, de mudar a realidade.
Convém perguntar quem tem medo da verdade. Certamente, não os que pagaram caro pela democracia que hoje nos permite exigir que se passe a limpo a história recente do país e que se complete o processo de redemocratização.
Não tenho dúvida de que morrem de medo os que torturaram, mataram e sumiram com opositores ao regime militar e os que patrocinaram a ditadura. Estes, sim, não querem a verdade e tudo farão para que seus crimes contra os direitos humanos não sejam revelados e permaneçam impunes.
Devemos rejeitar os estreitos limites do possível, que nos querem impor, e lutar pelo que acreditamos ser possível com a mobilização da sociedade e a ação política coletiva de sujeitos livres e comprometidos com a revelação da verdade histórica e com justiça para os que deram a própria vida em defesa da democracia.
*LuizaErundina

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