Estatuto do Nascituro: um retrocesso inaceitável
Blogueiras Feministas
- A íntegra do projeto prevê que o aborto seja proibido em qualquer
circunstância. Ou seja, mesmo adolescentes estupradas seriam obrigadas a
seguir com a gravidez resultante da violência. Em contrapartida,
oferece a possibilidade de reivindicar "paternidade" do estuprador e
requerer pensão alimentícia.
Na última quarta-feira, 5 de junho, a Comissão de Finanças da Câmara dos deputados considerou viável o Estatuto do Nascituro (PL 478/07), como também já havia feito a Comissão de Seguridade Social e Família em 19 de maio de 2010. O texto prevê que nascituros terão direitos análogos aos das pessoas nascidas.
Como feministas, a perspectiva de aprovação do Estatuto do Nascituro não poderia nos assustar mais. A íntegra do projeto prevê que o aborto seja proibido em qualquer circunstância. Ou seja, mesmo adolescentes estupradas seriam obrigadas a seguir com a gravidez resultante da violência. Em contrapartida, oferece a possibilidade de reivindicar "paternidade" do estuprador e requerer pensão alimentícia. Assim, as mesmas forças conservadoras que não reconhecem que um casal homossexual unido por amor e respeito seja uma família, querem impôr que estuprador e vítima se tornem pai e mãe. Reduz o drama de uma vítima de estupro que engravidou a uma mera questão econômica de quem sustentará o fruto deste abuso. Uma concepção misógina das mulheres, que lhes retira dignidade ao obrigá-las a parirem mediante a uma bonificação estatal. Além disso, essa suposta "reparação" representa uma prioridade do parentesco biológico – o que pode trazer várias consequências quanto ao entendimento de quais famílias devem ser beneficiadas pelas políticas públicas brasileiras.
Entre outras consequências graves da aprovação deste projeto, estaria também a exposição de mulheres à investigação criminal em casos de aborto espontâneo (o artigo 23 prevê a penalização do aborto "culposo", ou seja, não intencional) e a impossibilidade de acesso a tratamentos médicos que ameacem a viabilidade da gestação (como o caso de quimioterapias para pacientes de câncer). Por fim, aquelas que, como nós, são favoráveis a descriminalização do aborto, estariam sujeitas a processo criminal por "apologia", de acordo com o artigo 28.
A Comissão de bioética da OAB publicou um parecer sobre o Estatuto do Nascituro, que pode ser lidoaqui. Nossas impressões sobre o teor da proposta são compartilhadas pela entidade:
"No caminho inverso ao reconhecimento da
liberdade e autonomia das mulheres, o projeto pretende impor
compulsoriamente a maternidade em caso de risco de vida e à saúde das
mulheres, justamente as nessas circunstâncias, em que a gestação
deveria resultar de uma escolha livre, responsável e informada. Pelo
projeto, há uma clara ponderação pró-feto que novamente reconduz a
mulher à condição análoga à de uma incubadora, sem autonomia, tornando-a
objeto e lhe retirando a dignidade humana que lhe é garantida no art.
1º, III, da Constituição brasileira, pois nem se fez a ressalva de que o
disposto no art. 10 não se aplica no caso de prejuízos à vida e à saúde
da gestante, de forma imediata ou futura, ou nos casos de
incompatibilidade com a vida extrauterina"
"A proposta atropela princípios
ético-jurídicos e constitucionais, derroga leis existentes, e destrói
conquistas duramente obtidas, como a admissão de pesquisa com células
tronco, além de ignorar os direitos fundamentais das mulheres e
legitimar a violência contra a mulher, ao se propor que elas sejam
"pagas" pelo Estado para terem um filho gerado por estupro. Por todo o
exposto, o Projeto de Lei 478/2007 (Estatuto do Nascituro), seus apensos
e o substitutivo revelam graves inconstitucionalidades e não se mostram
adequados juridicamente como política social, devendo ser integralmente
rejeitados."
"(...) relativas à atribuição de
personalidade ao embrião congelado, o que geraria efeitos civis e
perplexidades, desde problemas de identificação, reflexos sobre o
registro civil, controvérsias relativas à representação civil e à
parentalidade dos embriões gerados exclusivamente com material
fecundante de doadores, assim como desdobramentos referentes às relações
de parentesco e intrincadas questões de ordem sucessória, além da
pretensa possibilidade de exercício dos direitos da personalidade"
"Trata-se de focalização das políticas
sociais como nunca antes desenhada pelas reformas da seguridade social —
o nascituro terá "prioridade absoluta", propõe o Estatuto."
Mesmo que o PL 478/07 não seja aprovado, sabemos que parte significativa das mulheres encontra dificuldades imensas para ter acesso ao aborto legal. Em março, Jéssica da Mata Silva, 21 anos e com câncer diagnosticado, teve que entrar na justiça para interromper sua gestação e se submeter à quimioterapia. Logo, teve dificuldades em acessar a interrupção da gestação prevista legalmente, porque como sabemos, não basta redigir uma lei para garantir um direito, é preciso que haja uma conscientização dos atores sociais envolvidos (neste caso, os agentes de saúde e o sistema judiciário) para que a lei seja efetivamente cumprida. Projetos de Lei como o do Estatuto do Nascituro contribuem para a manutenção de uma mentalidade reacionária de que as mulheres não são capazes de lidar com as tragédias que lhes abatem, como uma gravidez de risco ou resultante de violência sexual, devendo ser tuteladas pelo Estado.
Há entre nós o grande temor que o PL 48/07 seja desengavetado às vésperas da próxima eleição, para assim como foi feito em 2010, o aborto virar moeda de troca eleitoral. E sabemos, pela experiência passada, que não é possível construir um debate de qualidade, como a questão merece, neste cenário.
Por isso chamamos a sociedade para se mobilizar contra o Estatuto do Nascituro. Trata-se de um retrocesso social imenso, um desrespeito à mulher e à sua dignidade ao tratar um agressor sexual como progenitor. Além disso, fere a Constituição brasileira, afronta a laicidade do Estado, renega avanços científicos e tecnológicos que podem beneficiar milhares de pessoas com a pesquisas embrionárias e põe em risco a vida de qualquer pessoa que tenha um útero e que possa engravidar, inclusive jovens, menores de idade, que já estão em período fértil. Reflita sobre a sociedade em que você quer viver, que você quer deixar para seus descendentes, e una-se a nós. Assine a petição, diga não ao PL 478/07 e saiba mais sobre os atos que ocorrerão contra o Estatuto do Nascituro nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Fonte: Diário da Liberdade
*inversodocontraditorio
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